sexta-feira, janeiro 27, 2012

I Remember You

Interpretando um Olhar

Quando ela estivesse velha e sozinha (e também durante todo esse vão que há entre seus atuais 22 anos e a velhice), ela se lembraria de que toda essa infelicidade deu-se início naquele dia, naquele instante vigiado por centenas de pessoas, mas principalmente com aquela palavra. Durante os cinco anos passados, ela cavara sua própria sepultura, mas ao proferir aquelas palavras, atirava-se de vez numa vida de infelicidade, amargura, tristeza, obrigação e nenhum pudor. Achava inacreditável que houvesse tanto poder em torno de uma única palavra. Era absurdo, quase revoltante. Ainda mais revoltante era que ela sabia qual seria seu destino caso pronunciasse aquela simples palavra. E precisou chegar até ali, até aquele crucial momento, em que todos (exatamente todos) a fitavam, para que alguém prestasse atenção nela, e percebesse que havia algo errado. Ninguém sequer se dirigira a ela, querendo saber de seus sentimentos, planos, motivos. E o céu se fechava numa nuvem negra quando ela simplesmente travou tentando dizer a “palavra maldita”, mas o amor pelo criminoso que estava na plateia impedia-lhe o tempo todo. Envolvera-se com ele meses atrás, e foi a maior aventura que já tivera. Ela não sabia, mas ele estava preparado para aquele momento. A arma estava carregada, e sim, caso ela respondesse “sim” àquele banqueiro otário com quem ela estava se casando, haveria sangue, dor e uma motocicleta Harley Davidson esperando pelos dois. O assassino de aluguel, mau-caráter, alto, forte e tatuado, tinha sim o seu charme. Talvez por isso ele a atraia tanto. Por ser um fora da lei malvestido, com uma camiseta regata rasgada e suja, jeans no mesmo estado e uma jaqueta de couro com botas no mesmo material, ele tinha um ar de impiedoso. E sexy. Aquela barba por fazer, com aquele cabelo liso, aparentando alguns fios brancos, e a mão numa arma quente e brilhante, o deixava extremamente sensual. O olhar frio dele ao atirar em sua vítima, num crime encomendado, se fazia carinhoso ao olhar nos olhos dela. Mas não eram aqueles olhos criminosos que a miravam agora. Muito pelo contrário. Os olhos marrons que ela fitava naquele momento, eram de um filho de congressistas, rico e bom. O marido perfeito para uma dama como ela. O homem perfeito para qualquer mulher de seu nível.
Então ali estava ela, prestes a dizer “sim” àquele perfeito homem, enquanto pensava no corpo definido e quente do assassino por quem se apaixonara. E agora, o que fazer? Passar os próximos anos sendo escrava de uma vontade alheia, ou viver plenamente o perigo, dormindo com um quase desconhecido no galpão que ele chamava de casa? Ter noites cheias de um romance piegas, com lingerie de marca e roupões de seda, ou fazer amor com aquele homem de poucas palavras pelo resto da vida, num colchão sujo, rasgando o que lhe sobra de roupas, de uma maneira selvagem, e vestir-se com a camiseta velha dele depois? Dar certeza à razão de uma vida segura e perfeita, ou ao coração, que a faria viver plenamente sem pensar no amanhã? De repente a salvação estava nas mãos do bandido. Ela o olha de relance, e ele mostra uma bela arma. “Se você disser sim, eu mato ele e fujo com você”. Foi o que ela pensou que ele dissera naquele olhar (com aqueles profundos olhos castanhos). E enfim, depois de um breve dejà vú ela olhou para o noivo ansioso e disse: “Sim”. Durante o beijo que dava no então marido, para selar a união, ela só conseguia pensar: “Ele não vai vir até aqui e atirar nesse otário?” E foi o que ele fez. Aproximou-se do altar e todos os convidados arregalaram os olhos. Ela sorriu para ele, mirando suas grandes mãos na arma, e pensando “Atire logo nesse cara”. E ele atirou, mas esta bala atingiu a então noiva, no estômago, fazendo-a cair de uma maneira dramática, o sangue saindo pela boca, enquanto seu amor virava as costas, colocando os óculos escuros, e ninguém se atrevia a chegar perto dele. Montou sua moto e partiu em direção a Deus-sabe-onde.
E ali no chão, agonizando, com aquela grande mancha vermelha pintando o vestido totalmente branco, trazido de Paris, ela apenas ouvia as vozes desesperadas de parentes, mas à medida que ia fechando os olhos, as vozes iam sumindo e ela voltou (em pensamento) aos seus oito anos, na varanda com a avó, onde a simpática senhora lhe passou um ensinamento que poderia tê-la salvo naquele dia: “Querida, preste atenção no que a vovó vai lhe dizer. Nunca confie no olhar de um homem. Ele pode estar querendo dizer algo que você jamais  imaginaria.”




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