sábado, janeiro 07, 2012

Everybody's Fool



A Princesa da Morte

No fundo ele sabia o real motivo pelo qual as pessoas o julgariam se soubessem o que ele estava fazendo. Mas também pensava em quanta popularidade ela teria quando acordasse daquele pesadelo. Em cima dela, naquele momento, ele satisfazia não somente seu desejo (e seu coração, pois a amava). Ele satisfazia a vontade dela.
Ele nunca fora o cara mais bonito da escola, da vizinhança, ou de qualquer lugar. Com sua jaqueta de couro, de bolso rasgado por dentro (graças a Deus ninguém veria aquilo), um cigarro atrás da orelha e outro aceso no canto da boca, era sua marca registrada. O autêntico cara excluído que ninguém ligava. Nem ele. Nunca dera muita importância ao sistema, muito menos no que aqueles babacas jogadores de futebol e pegadores de mulheres diziam. Gostava de seu estilo, adorava ser temido. Mesmo assim, havia alguém que mexia com uma parte dele que sempre tentara renegar. Não que transar com garotas góticas não tivesse seu charme, mas aquele filhinha de papai, estudiosa e esforçada o atraía de uma maneira que nem sequer a revista masculina mais vendida faria. Mas sabia que nunca (e enfatizava bem o “nunca”) alguém como ela sequer olharia para ele. Nos corredores da escola, na troca de aulas, todo o terceiro ano saía para puxar o saco dos garanhões másculos, mas ela não. Sentava-se com seu livro de capa verde (que ele dizia a si mesmo que era poesia, pois não sabia pelo quê mais ela poderia se interessar) e ali ficava, sonhando com o dia em que sairia do Kansas e iria direto para Hollywood. Já a ouvira falar várias vezes às amigas (verdadeiras cobras e vadias, na opinião dele) que um dia seria vista pelo mundo, aplaudida, amada. E se nada na vida dela desse certo, se contentaria em ser reconhecida por alguma coisa após sua morte.
Era estranho sentir aquele corpo desacordado junto ao seu. Não, ele não era louco, só estava matando uma vontade que tinha desde os treze anos. Sabia que para ter uma garota daquela, de olhos claros, pele branca, cabelos pretos e boa educação, teria que dar algo em troca. Nem que lhe custasse a liberdade. E era isso que ele estava fazendo naquela tarde de 31 de agosto. Arrombar a porta de um necrotério? Não foi difícil, nunca seria para um fora da lei como ele. Ele estava quase chegando lá, e só lamentava por não poder receber um beijo após a transa. Qual o problema de fazer sexo com uma morta? Afinal de contas, horas depois ela iria acordar (bem no meio do funeral, ele calculava), graças a um medicamento que um amigo nerd lhe vendeu. “Ela apagará por algumas horas, todos dirão que está morta. O único problema é se quiserem abrí-la para fazer autópsia. Aí ela não levantará mais.” Depois disso, viraria uma celebridade. Os holofotes se virariam para ela. “Quem seria o louco  que estupraria uma garota morta?” A imprensa diria. “Não, ela não está morta. Foi dopada e estuprada, depois levantou do caixão!”
Alguém batia na porta desesperadamente, mas ele não podia parar, estava quase lá. Tentou acelerar o ritmo, para ver se chegava ao orgasmo mais rápido. Muitas vozes gritavam lá fora, os seguranças repetiam sem parar que iriam arrombar a porta.
Finalmente seu desejo foi realizado, ele saiu de cima dela, beijou-lhe os lábios frios, e subiu as calças. Apenas cobriu-a com o lençol branco novamente, e ficou parado olhando a porta ser arrombada.
Para ele, alguns anos de prisão valeriam a pena. Não iria para a Universidade mesmo. Mas ela sim, merecia ser feliz. Sabia que ela nunca seria reconhecida, vista pelo mundo. E se isso acontecesse, ela estaria velha demais para aproveitar. Ou morta. Mas se a morte faz de alguém uma espécie de “estrela”, se todos viram santos perante a morte, ela teria isso. Após algumas horas, levantaria de seu caixão e olharia direto para as câmeras. O mundo sentiria pena, a amaria, sem que ela sequer tivesse se esforçado. E quando isso acontecesse, ela poderia fazer o que quisesse, ser quem quisesse. “A princesa da morte”, era como ele iria se lembrar e se referir à ela dali para  frente, diante de seu destino incerto.





*Everybody’s Fool (Evanescence)

Um comentário: