A Princesa da Morte
No fundo ele
sabia o real motivo pelo qual as pessoas o julgariam se soubessem o que ele
estava fazendo. Mas também pensava em quanta popularidade ela teria quando
acordasse daquele pesadelo. Em cima dela, naquele momento, ele satisfazia não
somente seu desejo (e seu coração, pois a amava). Ele satisfazia a vontade
dela.
Ele nunca
fora o cara mais bonito da escola, da vizinhança, ou de qualquer lugar. Com sua
jaqueta de couro, de bolso rasgado por dentro (graças a Deus ninguém veria
aquilo), um cigarro atrás da orelha e outro aceso no canto da boca, era sua
marca registrada. O autêntico cara excluído que ninguém ligava. Nem ele. Nunca
dera muita importância ao sistema, muito menos no que aqueles babacas jogadores
de futebol e pegadores de mulheres diziam. Gostava de seu estilo, adorava ser
temido. Mesmo assim, havia alguém que mexia com uma parte dele que sempre
tentara renegar. Não que transar com garotas góticas não tivesse seu charme,
mas aquele filhinha de papai, estudiosa e esforçada o atraía de uma maneira que
nem sequer a revista masculina mais vendida faria. Mas sabia que nunca (e
enfatizava bem o “nunca”) alguém como ela sequer olharia para ele. Nos
corredores da escola, na troca de aulas, todo o terceiro ano saía para puxar o
saco dos garanhões másculos, mas ela não. Sentava-se com seu livro de capa
verde (que ele dizia a si mesmo que era poesia, pois não sabia pelo quê mais
ela poderia se interessar) e ali ficava, sonhando com o dia em que sairia do
Kansas e iria direto para Hollywood. Já a ouvira falar várias vezes às amigas
(verdadeiras cobras e vadias, na opinião dele) que um dia seria vista pelo
mundo, aplaudida, amada. E se nada na vida dela desse certo, se contentaria em
ser reconhecida por alguma coisa após sua morte.
Era estranho
sentir aquele corpo desacordado junto ao seu. Não, ele não era louco, só estava
matando uma vontade que tinha desde os treze anos. Sabia que para ter uma
garota daquela, de olhos claros, pele branca, cabelos pretos e boa educação,
teria que dar algo em troca. Nem que lhe custasse a liberdade. E era isso que
ele estava fazendo naquela tarde de 31 de agosto. Arrombar a porta de um
necrotério? Não foi difícil, nunca seria para um fora da lei como ele. Ele estava
quase chegando lá, e só lamentava por não poder receber um beijo após a transa.
Qual o problema de fazer sexo com uma morta? Afinal de contas, horas depois ela
iria acordar (bem no meio do funeral, ele calculava), graças a um medicamento
que um amigo nerd lhe vendeu. “Ela apagará por algumas horas, todos dirão que
está morta. O único problema é se quiserem abrí-la para fazer autópsia. Aí ela
não levantará mais.” Depois disso, viraria uma celebridade. Os holofotes se
virariam para ela. “Quem seria o louco
que estupraria uma garota morta?” A imprensa diria. “Não, ela não está
morta. Foi dopada e estuprada, depois levantou do caixão!”
Alguém batia
na porta desesperadamente, mas ele não podia parar, estava quase lá. Tentou
acelerar o ritmo, para ver se chegava ao orgasmo mais rápido. Muitas vozes
gritavam lá fora, os seguranças repetiam sem parar que iriam arrombar a porta.
Finalmente
seu desejo foi realizado, ele saiu de cima dela, beijou-lhe os lábios frios, e
subiu as calças. Apenas cobriu-a com o lençol branco novamente, e ficou parado
olhando a porta ser arrombada.
Para ele,
alguns anos de prisão valeriam a pena. Não iria para a Universidade mesmo. Mas ela
sim, merecia ser feliz. Sabia que ela nunca seria reconhecida, vista pelo
mundo. E se isso acontecesse, ela estaria velha demais para aproveitar. Ou
morta. Mas se a morte faz de alguém uma espécie de “estrela”, se todos viram
santos perante a morte, ela teria isso. Após algumas horas, levantaria de seu
caixão e olharia direto para as câmeras. O mundo sentiria pena, a amaria, sem
que ela sequer tivesse se esforçado. E quando isso acontecesse, ela poderia
fazer o que quisesse, ser quem quisesse. “A princesa da morte”, era como ele
iria se lembrar e se referir à ela dali para frente, diante de seu destino incerto.
*Everybody’s
Fool (Evanescence)
uau
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