sexta-feira, janeiro 13, 2012

Happy?

Doce Lembrança de Uma Noite Obscura

O prédio alto e antigo parecia ainda mais sombrio próximo à meia-noite. O casal passeava pela rua silenciosa e cheia de terrenos baldios. Na verdade, tornaram-se um casal há minutos atrás, quando ele a convenceu a deixar aquela festa de formatura e fugir com ele para a um local mais reservado, onde poderiam consumar o que desejavam. Sem saber como, ele a convenceu a entrar no prédio abandonado. A escadaria era infinita, ela perdeu as contas de quantos degraus subiu e por quantos andares passou, mas valeria a pena quando chegasse ao terraço e o tivesse por completo, e perderia a virgindade na noite do baile com o cara mais cobiçado por todas as garotas. A filhinha do papai, mimada e certinha, tomava o caminho errado.
Chegando ao terraço, a noite parecia estar mais fria, mas ela não se importava em sentir a mão gelada dele em seu rosto.
- Espero que você não esteja chateada por perder o fim do baile. – Ele toca o rosto dela, deslizando a mão suavemente até o ombro e o braço.
- Por mim tudo bem. Acho que não iria ser a rainha do baile mesmo. – Ela desce o olhar e ele pega o queixo dela de leve, levantando o rosto da delicada moça.
- Você é a rainha. Não tem outra além de você. – Ele abre a jaqueta e tira uma coroa de plástico, cheia de pedras cor-de-rosa. Coloca-a na cabeça dela, enfeitando o penteado.
- Como você... ?
-Eu roubei. Ninguém vai ser a rainha do baile senão você. – Ele a beija e nesse momento a nuvens que cobriam a enorme lua prata se dispersam, deixando o céu totalmente negro, sem estrelas  com uma paisagem fantasmagórica.
De repente, ela percebe que ao beijá-lo todo o frio que tinha em seu corpo sumiu. Deveria ser o calor que vinha da paixão que escondera por ele durante anos.
Meia-noite. Entre beijos e poucas palavras sobre o futuro dos dois pós-colegial, um grande morcego aparece e sobrevoa a cabeça dos dois. Ela dá um grito, e fica sem graça.
- Está na hora. – Os grandes e velhos sinos da igreja matriz começam a badalar e os morcegos que ali dormir voavam desnorteados. Do terraço eles viam a paisagem negra, somente as sombras de uma grande cidade.
Eles descem as escadarias e param no oitavo andar, frente a uma sala de número 202. Ao entrarem, ela vê que o local não é muito bem o que ela esperava para sua primeira vez, mas tudo bem, nada era perfeito. Ela se senta em uma velha poltrona vermelha, com manchas cinza de mofo e ele a serve de um copo de vinho. Não que ela fosse exigente ao extremo, mas beber vinho num copo de uísque? Barrou os pensamentos, tentou esquecer o nojo do recipiente e concentrou-se nos olhos dele, bebendo  de uma vez aquele líquido que segundos depois percebeu que não era vinho. Ele a fitava de pé, bebendo com gosto aquela solução (?) com um sorriso malicioso no canto da boca. Ela tenta se levantar e cambaleia, ele a apoia para que ela possa caminhar.
Abriu os olhos e percebeu que estava deitada, a luz branca no seu rosto, parecida com aquela que o dentista joga na nossa boca, a incomodava. Ouvia vozes masculinas e uma doce voz feminina. Virou a cabeça para a direita e viu um corredor lá fora, onde estavam várias pessoas sentadas em cadeiras de espera como num consultório, aguardando para serem atendidas. O velho baixinho, com um avental sujo se aproximou dela com uma tesoura.
-Essa é a mais pura que você encontrou? – Ele abaixa a cabeça, tentando olhar para o garoto popular por cima dos óculos redondos.
-Sim. E não tem muito a perder. – O jovem rapaz engole em seco, todos na sala, vestindo preto e com colares com símbolos estranhos, imaginavam que ele era jovem demais, não estava pronto para entrar. Ainda.
O velho pega um bisturi e começa a cortar a barriga da moça. Ela sente aquela dor insuportável, e só então percebe que tem os pés e mãos atados. Devagar, ele vai cortando tecido por tecido, e após passar pela camada de gordura por baixo da pele, finalmente enxerga o fígado.
- Limpe. – Ele olha para o jovem garoto, parado com uma felpuda toalha branca, tremendo e suando. O garoto limpa o sangue e joga a toalha no chão. – Jane, traga o prato.
Neste momento, a única mulher na sala traz um enorme prato branco, com arroz, legumes frescos e um molho branco. Ela deposita o prato na maca onde a garota está deitada. O velho enfia a mão dentro da barriga da moça e arranca o fígado, com o auxílio do bisturi, para cortar as tripas. Coloca aquele pedaço de carne no prato e entrega ao garoto.
- Faça bom proveito. – diz o velho depositando o bisturi na maca e dirigindo-se até uma pia para lavar as mãos.
O garoto segurava os talheres, olhando para aquele prato, sentindo ânsia, mas não podia titubear. Garfou um pedaço de cenoura e um pouco de arroz, e todos na sala ficaram na expectativa de vê-lo experimentando o fígado. Na verdade, todos ali estavam salivando para comer aquilo, mas aquele era o momento dele. A mulher olhou para ele, já  impaciente.
- Filho, você tem que comer! Agora!
O garoto corta um pedaço do fígado e enfia de uma vez na boca. O gosto o faz querer vomitar. O medo dos pais, o faz querer vomitar. Ele não aguenta mastigar nem três vezes e coloca tudo para fora num vômito de cor preta.
O homem alto de capa preta e cabelos longos e ensebados perde de vez a paciência e pega o garoto pelo pescoço.
- Você é filho de canibais e descendente do rei Richford! O canibalismo está nas suas veias! Está na nossa família há anos! Ou você engole isso, ou te enterro vivo!
-Pai... - O garoto começa a vomitar novamente. Mas enfim, quando consegue engolir, sente que algo estranho toma conta de seu corpo, os olhos antes verdes agora estavam vermelhos, sedentos... Os dentes antes brancos, perfeitos num sorriso malicioso, agora se tornavam pontiagudos, afiados e cheios de vontade de desfiar aquele corpo nu que estava em cima da maca. Sem pensar, ele pula em cima da garota e todos na sala entram em desespero.
-Não deixem que ele faça isso! Ele não pode comer da mesma carne mais de uma vez, seu corpo não pode ter contato com o mesmo sangue do batismo!- Grita a mãe desesperada.
A bela jovem abriu os olhos e percebeu que estava em seu quarto. O sol batia em seu rosto através do vidro da janela de seu belo quarto. Levantou-se e percebeu que acabara dormindo com o vestido do baile na noite anterior. E que baile! Lembrava-se de cada maravilhoso momento passado ao lado do cara mais popular do colégio. E o sol brilhando como nunca a fazia sentir-se cada vez melhor em seu estado de espírito, mesmo que tenha tido um pesadelo horrível naquela noite. Mas nada mais importava, ela tivera a melhor noite de sua vida, beijara o cara que amava, fora a rainha do baile. Resolveu então tomar um banho. Ao entrar no chuveiro a garota começa a ensaboar-se, e toma um grande susto. Uma enorme cicatriz em sua barriga a faz gritar desesperadamente.
E na janela do quarto dela, lá estava ele, com sua jaqueta preta e os olhos vermelhos. Iria partir para a torre no monte, mas não queria deixa-la daquela maneira. Se não podia leva-la consigo, nem tirar aquela cicatriz que era a prova do que tinha acontecido, pelo menos a deixara com uma falsa lembrança de uma noite perfeita, que ela iria pensar que viveu, e se recordar para todo sempre.

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